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terça-feira, 13 de outubro de 2009

Menos de 1% dos presos provisórios têm direito a voto no Brasil

DIREITO CONSTITUCIONAL

Menos de 1% dos presos provisórios têm direito a voto no Brasil

Daniella Dolme - 12/10/2009 - 14h00

Marcello Casal Jr./ABr (Goiás_fev2008)
TSE deve criar comissão para estudar questão do voto de presos provisórios
A Constituição Federal, em seu artigo 15, inciso III, garante que apenas os condenados com trânsito em julgado —quando não há mais possibilidade de recursos— perdem seus direitos políticos. O que significa que os presos provisórios têm direito de votar. No entanto, a realidade é bem diferente.
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Dos 26 Estados brasileiros, somente onze implementaram urnas eletrônicas em suas penitenciárias: Acre, Amapá, Amazonas, Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Sergipe.
Nas últimas eleições, do total de 160 mil presos provisórios, apenas 1.600 participaram da votação —o que corresponde a 1% de acesso a tal direito. Hoje, o país tem cerca de 190 mil detidos provisoriamente.
Os números são considerados ínfimos para a juíza Kenarik Boujikian Felippe, co-fundadora e ex-presidente da AJD (Associação Juízes para a Democracia) e titular da 16º Vara Criminal de São Paulo. Para ela, ainda há muito a ser feito para assegurar esse direito constitucional.
São Paulo
Assim como em outros 16 Estados, o TRE paulista é relutante em aplicar aos presos provisórios uma condição que lhes é de direito. “O Estado tem sido um tanto refratário e se nega a emitir o voto do preso. Na essência ele está negando um direito constitucional do preso provisório”, explica o professor de direito penal na USP (Universidade de São Paulo) e ex- presidente do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) Sérgio Schecaira.
Para a defensora pública Carmen Silvia de Moraes Barros, falta interesse, pois a “Defensoria entrou com pedido no tribunal eleitoral para que os presos votassem e esse pedido, até hoje, anterior às últimas eleições, não foi julgado. O MPE (Ministério Público Eleitoral) também entrou com uma representação e não foi atendido”.
O pedido da Procuradoria Eleitoral foi negado no último dia 16 de junho, por seis votos a um, sob o argumento de que a implantação de seções eleitorais em presídios estaria inviabilizada.
Os motivos seriam a “falta de mobilidade dos presos provisórios, considerando que o alistamento eleitoral é encerrado 150 dias antes da eleição e nada garante que o detento estará no local de sua inscrição no momento de votação (...), dificuldades para nomeação de mesários, exigência de policiamento ostensivo”, entre outros, conforme consta na ata da sessão administrativa em que foi tomada a decisão.
Segundo ela, o direito é reconhecido pelo TSE, por meio de uma recomendação para que os Estados viabilizem o processo se possível, “e isso faz parecer que fica à critério de cada Estado e não que é um direito assegurado”, argumenta.
A juíza Kenarik acredita que existe preconceito em relação às pessoas que estão presas, “mas é um preconceito que está nos outros, não na Constituição. Falta uma percepção de que o voto é um direito, que não existem categorias diferenciadas quando se fala em direitos fundamentais”, alega.
Soluções
Está prevista ainda para o mês de outubro a formação de uma comissão especial no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para estudar a questão do voto dos presos provisórios para as próximas eleições, no ano que vem. O ministro Carlos Ayres Britto manifestou preocupação com o tema após reunião com várias entidades da sociedade civil, realizada em agosto.
Além da comissão, a magistrada da 16º Vara Criminal de São Paulo afirma que outros progressos podem ser comemorados. Os Estados de Minas Gerais, que já editou uma resolução, e na Paraíba, “estão tratando de tomar as devidas providências” para se adequar ao cumprimento do direito dos presos.
Fora isso, em decisão inédita e recente, no mês de setembro, um juiz de Ribeirão Preto assegurou o direito de voto aos adolescentes internados nas próximas eleições.
“Da mesma forma que a democracia vai se concretizando no país, vamos concretizando também o respeito aos direitos e cada vez mais Estados estão tornando viável a votação do preso. É um caminho, é uma luta e a luta está ficando nacional”, afirma a defensora Carmen Silvia, traduzindo o ideal das entidades que brigam pela aplicação do direito constitucional —não por serem presos, mas por serem cidadãos.
Luta
Para reacender a discussão que ficou “esquecida por algum tempo”, segundo a advogada criminalista e presidente do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), Flávia Rahal, entidades da sociedade civil se uniram na luta para que os adolescentes internados, presos provisórios e condenados votem —pedido expresso no Manifesto pela Cidadania.
No documento, as entidades decidiram incluir os presos condenados sob o argumento de que o artigo constitucional gera ambiguidade em seu entendimento. “A interpretação constitucional, suspendendo o direito do voto para os condenados em caráter definitivo, não é consentânea com os princípios constitucionais e os direitos humanos”.
 “O papel do IDDD é engrossar esse movimento que está sendo encabeçado por várias instituições, entre as quais a AJD e o IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminas). É preciso olhar de forma clara para a nossa Constituição: com o que temos em relação a direitos individuais não há fundamento para que os presos não votem”, esclarece Flávia Rahal.
De acordo com Sérgio Schecaira, questões relacionadas ao alistamento eleitoral do preso é que atravancam o processo.
“O problema é que muitas vezes o preso tem seu título no bairro de São Miguel e acaba sendo levado a um CDP (Centro de Detenção Provisória) e não votando porque não tem como se deslocar para sua circunscrição eleitoral”, destaca.
Em contrapartida, a defensora pública Carmen Silvia afirma que outras hipóteses já foram levantadas para solucionar o dilema, como a criação de seções eleitorais nos presídios ou a possibilidade de instalar “urnas ambulantes”.
A juíza Kenarik concorda, alegando que experiências anteriores foram bem sucedidas. “Atualmente, até as eleições de 2008, os TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) colocaram urnas dentro dos estabelecimentos prisionais e funcionou sem problema algum”.
No entanto, o professor considera que a mudança é possível. “Aredito que, de um lado, a pressão da sociedade civil e, de outro, a questão do voto em trânsito [permissão para o voto longe da circunscrição eleitoral], podem fazer com que o alistamento do preso seja possível dentro do cárcere”, diz.
Importância do voto
“É importante que o preso tenha quem fale legitimamente por ele. Se ele não tem voz na sociedade, dentro dos mecanismos legais, isso reforça canais que não são legítimos dentro do sistema prisional e reforça o poder das facções”, enfatiza a juíza Kenarik.
Conforme explicação da magistrada, existem vários tabus em relação à questão prisional e um deles diz respeito ao fato de que enfim “os presos vão eleger alguém para representá-los”. De acordo com pesquisas realizadas nas eleições anteriores, “a votação que houve dentro dos muros foi igual a que houve fora, em termos de percentuais, de candidatura e partido”, afirma.
A defensora Carmen Silvia afirma que a experiência vivida no Rio de Janeiro comprova que não há influência das facções criminosas. “A votação do presídio refletiu a votação das pessoas em liberdade. O candidato que ganhou no presídio foi efetivamente o que ganhou a eleição, a proporção de votos para cada candidato foi a mesma no presídio e fora”, relata.
“Esses tabus têm que ser rompidos”, conclui Kenarik, que considera existir uma ilusão quanto ao voto do preso, pois se ele quiser eleger alguém indiretamente ele tem meios para fazê-lo “porque [o preso] não é um ser isolado. Pelo contrário, ele continua com família, com seus interlocutores, amigos”.

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